quarta-feira, 8 de junho de 2016

Dar tempo ao tempo

É gratificante constatar o actual interesse pela caminhada como actividade retemperadora do bem-estar e da saúde dos praticantes. Mais curioso do que interessante é deparar com apologistas dos benefícios da marcha e que simultaneamente defendem uma espécie de «caminhadas instantâneas» que, por um lado, satisfazem as necessidades prementes de exercício físico e, simultaneamente, não comprometem os afazeres de quem se acha tão ocupadíssimo!… Sendo certo que «antes pouco do que nada», uma prática integrante e integradora de caminhada passará necessariamente por um (re)ajuste do dia-a-dia no que concerne não só à vivência (e portanto à disponibilidade) do tempo como também à implementação de efectivos estilos de vida verdadeiramente impactantes, mormente no que concerne a uma alimentação natural e a um sono revigorante.

Nos dias que correm é recorrente falar-se de falta de tempo!... Apesar de existirem mil e uma invenções que pretensamente servem para acelerar processos – e, por isso, para poupar tempo (?) – nunca houve tanta falta de tempo como agora! Nesse contexto, será compreensível a opinião dos paladinos das «marchas instantâneas», «caminhadas paliativas» ou sucedâneos, contudo tal comporta uma manifesta incongruência. Os benefícios da caminhada passam precisamente pela «desaceleração» ou, melhor, pela vivência do aqui e do agora, para além do tempo passado ou futuro, independentemente do ritmo da marcha. Só desta forma poderão os praticantes atingir elevados níveis de atenção e de consciência, (re)ligando-se profundamente ao meio circundante e ao si (portanto ao todo), libertando-se de eventuais stresses e/ou distracções nefastas. Desta forma, caminhar poderá transcender o simples (mas poderoso) exercício físico de andar, tornando-se uma actividade holística, com assumidas e diversificadas componentes, designadamente de âmbito espiritual ou psicológico (como queiram). Desta forma, caminhar torna-se uma espécie de «máquina do tempo», uma forma de regresso à (nossa) Natureza, às origens, ao primal…


Ó Pedro Cuiça (Santa Rita - Algarve)

Os símios andam, por norma, menos de três quilómetros por dia, mas os seres humanos são caminhantes de fundo prodigiosos. Um ser humano audaz, George Meegan, percorreu recentemente o trajeto desde a extremidade austral da América do Sul até à parte mais setentrional do Alasca, fazendo uma média de 13 quilómetros por dia. Embora a jornada de Meegan tenha sido invulgar, a distância média diária por ele percorrida não está longe daquilo que os modernos caçadores-recolectores andam quando forrageiam (as fêmeas fazem uma média de nove quilómetros e os machos 15 quilómetros). 
[LIEBERMAN, 2015: 111]

Os inconvenientes da falta de tratamento das causas de uma doença têm vindo a ser discutidos e debatidos desde há séculos, regra geral no contexto da doença de um paciente. Segundo o dicionário, o sentido da palavra “paliativo” (usada pela primeira vez no século XV) prendia-se com cuidados que «aliviam os sintomas da doença ou condição sem lidar com a causa subjacente». Além disso, muitos biólogos evolutivos e antropólogos explicaram como a cultura e a biologia interagem entre si ao longo de vastos períodos de tempo, não só para estimular a mudança biológica, mas também para estimular a mudança cultural. (…) Todavia, falta-nos um bom termo para o pernicioso ciclo de retroação que ocorre ao longo de múltiplas gerações quando não tratamos as causas de uma doença de incompatibilidade, transmitindo, em vez disso, os fatores ambientais que causam a doença prevalente e por vezes a piora. Regra geral sou avesso a neologismos, mas creio que «desevolução» é uma palavra nova útil e adequada, pois, segundo a perspetiva do corpo, o processo é uma forma de mudança prejudicial (des) ao longo do tempo (evolução).
[LIEBERMAN, 2015: 235]

Uma forma muito simples de comparar o trabalho dos agricultores, dos caçadores-recoletores e dos povos pós-industriais modernos é avaliar o nível de atividade física (NAF). O NAF avalia o número de calorias gastas por dia (gasto energético total), dividido pelo número mínimo de calorias necessário para que o corpo funcione (o índice metabólico em repouso, IMR). Em termos práticos, o NAF é o rácio entre a energia gasta em dada altura e a quantidade necessária de energia para dormir um dia inteiro numa temperatura confortável de cerca de 25 graus centígrados. O nosso NAF será provavelmente de cerca de 1,6 se for um empregado de escritório sedentário, mas poderá baixar até 1,2 se passar o dia em repouso num hospital, e poderá subir aos 2,5 ou mais se estiver a treinar para uma maratona ou para a Volta a França em Bicicleta. Vários estudos descobriram que os NAF dos agricultores de subsistência de África, Ásia e América do Sul são uma média de 2,1 nos homens e 1,9 nas mulheres (variação: 1,6 a 2,4), apenas ligeiramente mais elevado do NAF da maior parte dos caçadores-recoletores, em média 1.9 nos homens e 1,8 nas mulheres (variação: 1,6 a 2,2).
[LIEBERMAN, 2015: 261]

Ó Pedro Cuiça (Castroeiro - Mondim de Basto, Jun. 2016)


Bibliografia

LIEBERMAN, Daniel. A História do Corpo Humano - Evolução, saúde e doença. Lisboa: Temas e Debates & Círculo de Leitores, 2015. ISBN 978-989-644-317-7

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