sábado, 23 de julho de 2016

Mobilidade sustentável


A caminhada, a mais antiga forma de exercício, deve regressar ao dia-a-dia da vivência pós-moderna. Nos tempos pré-industriais, as pessoas viajavam sobretudo a pé e isso mantinha-as em forma. Depois veio a vulgarização do motor e as pessoas tornaram-se preguiçosas e, muitas delas, com excesso de peso ou obesas. Andar a pé tornou-se no transporte de último recurso; segundo a Organização Mundial de Saúde, uma «arte esquecida» nos dias de hoje (HONORÉ, 2006: 125). Muitas das deslocações que são efectuadas de carro (ou outros veículos motorizados e poluentes) poderiam facilmente ser feitas a pé mas não o são! E, contudo, há imensas razões para caminhar…
A primeira, desde logo, é que se trata de algo inteiramente natural e, por isso, saudável: a locomoção bípede é uma forma de rewilding (MONBIOT, 2014), que nos faz regressar às nossas origens enquanto espécie, e um movimento slow (HONORÉ, 2006), que nos permite retomar ritmos retemperadores do nosso bem-estar. Caminhar aumenta a forma física, o bem-estar psicológico, reforça as defesas contra diversas doenças e cura outras tantas1. A segunda é que se trata de uma actividade não poluente e que, ao preterir o uso de veículos motorizados, pode e deve constar entre as «medidas urgentes contra o aquecimento global» (Agenda 2030). A terceira é que se trata de uma actividade gratuita: não é preciso pagar a um personal trainer ou possuir qualquer bem material para andar na cidade ou no campo sendo, portanto, uma prática que põe em pé de igualdade ricos e pobres. Pelos motivos elencados, entre muitos outros que ficam por referir, torna-se evidente a importância de andar…
Nos tempos que correm é fundamental adoptar novas atitudes e formas de promover meios de mobilidade sustentáveis, como o andar a pé mas também o andar de bicicleta. E, nesse contexto, os percursos urbanos têm vindo a suscitar um notório interesse, não só os percursos pedonais como os percursos cicláveis2. A lógica de funcionamento e de funcionalidades das cidades deve ser alterada para uma eco-lógica que integre transportes públicos, ecopistas e outras medidas que contribuam para uma eficaz “acessibilidade sustentável”… Portugal, principalmente nas grandes e médias cidades, confronta-se com importantes problemas de tráfego rodoviário provocado pela utilização excessiva do transporte individual. A utilização do automóvel está associada a poluição, ruído, acidentes rodoviários, perda de tempo em viagem (devido a congestionamentos), entre outros problemas. Na Europa, o sector dos transportes, tem vindo a aumentar a emissão de gases com efeito de estufa, desde 1990, sendo o sector com pior desempenho relativamente aos objetivos do Protocolo de Quioto. Por estas e por outras razões, torna-se premente travar e inverter a preponderância da utilização de automóveis como forma hegemónica de deslocação/transporte.
A prática quotidiana de caminhada e/ou a utilização de bicicleta deve(m) ser enquadrada(s), nos dias de hoje, numa consciência ecológica que extravase o antropocentrismo (microcosmo da esfera meramente humana) e adopte uma visão ecocêntrica ou, melhor, ecosófica (que tenha em conta o macrocosmo a nível planetário). “Pensar global e agir local”, andar a pé e/ou de bicicleta para estar conectado com o todo: mover-se pela sua saúde e pela saúde do planeta.
adapt. CUIÇA, Pedro & PASCOAL, Filipa (Jul. 2016): Projecto de Educação para o Desenvolvimento Sustentável com base numa Mobilidade Sustentável



Notas
1- A prática de caminhada tem vindo a ser incrementada por via da promoção de estilos de vida saudáveis e activos, designadamente através dos médicos de família, particularmente em segmentos populacionais com um acentuado risco de inactividade (e.g. idosos). E, nesse pressuposto, será importante salientar a mensagem veiculada por muitos médicos de família no que concerne à saúde dos seus pacientes: “Ande pelo menos 30 minutos por dia” (CUIÇA, 2015: 41).
Andar a pé comporta notórias implicações nos domínios da saúde e do bem-estar dos praticantes, tal como no meio ambiente; constitui um exercício físico de excelência (sem dúvida, dos melhores), ao alcance de qualquer um. Mais, caminhar é um exercício suave, ideal para todas as faixas etárias e com múltiplos e reconhecidos benefícios para a saúde. Andar a pé contribui para melhorar o tónus muscular, aumentando o desempenho cardiovascular e melhorando ou resolvendo eventuais dificuldades respiratórias; favorece a coordenação de movimentos e, inclusivamente, a prontidão de reflexos, corrige posturas erradas e pode evitar que surjam “dores nas costas” (ibidem).
A marcha, se possível acelerada – e nesse particular destaca-se a marcha nórdica (nordic walking) pelos benefícios acrescidos –, constitui um bom auxiliar para a perda de peso, para mais se acompanhada de uma dieta adequada (ibidem). A prática de pedestrianismo é uma actividade física aeróbica excelente para combater o excesso de peso ou a obesidade e, simultaneamente, para a prevenção da diabetes, a prevenção e o tratamento da hipertensão arterial e a redução dos níveis de colesterol. A marcha ajuda a prevenir e a tratar a osteoporose, constitui um precioso auxiliar no tratamento da artrite reumatóide e ajuda inclusivamente a prevenir o aparecimento de determinados tipos de cancro como, por exemplo, o cancro da mama, do cólon, do útero, dos ovários e da próstata (ibidem). Mas os benefícios referidos não se restringem apenas aos aspectos físicos, andar a pé surge como uma praxis privilegiada de contacto com o meio envolvente e de partilha de experiências com consequências inegáveis no âmbito do bem-estar psicológico. Neste contexto, a caminhada também favorece a prevenção da depressão (melhorando a disposição) e promove a redução do stress e simultaneamente da glicemia, visto as hormonas do stress serem hiperglicemiantes.
2- Os indivíduos sedentários tendem a estar dependentes da existência de infraestruturas específicas para a prática desportiva e, nesse contexto, os percursos pedestres balizados surgem como promotores da prática de exercício físico, mormente quando se localizam na proximidade das suas áreas residenciais e em ambientes seguros. No entanto, será de destacar que a promoção da caminhada, no âmbito da saúde, tem gerado grupos informais de caminhantes que diariamente se encontram para andar nas imediações da sua área residencial e na via pública, sem quaisquer infraestruturas específicas para o efeito (CUIÇA, 2015: 42). Na verdade, a prática de marcha não exige qualquer tipo de “pista” instalada para o efeito ou deslocar-se através de veículo até um determinado local, mais ou menos distante. Basta sair de casa e andar, tão simples quanto isso!
No entanto, a rede viária urbana foca-se predominantemente nos automóveis, deixando os ciclistas para segundo plano. Tanto os passeios para caminhar, como as pistas para bicicletas são deixadas para segundo plano no momento do planeamento dos transportes e acessibilidades, de forma a não causarem incómodos na circulação de automóveis. Esta tendência tem de ser alterada e as ciclovias e percursos pedestres devem ser reavaliados a nível local. Também deverá ser dada uma particular atenção à manutenção dos percursos em mau estado. Além disso, deve ser feita uma adaptação das zonas de circulação onde não existam


Recursos Bibliográficos
· Década das Nações Unidas para o desenvolvimento Sustentável 2005-2014 – Documento Final Plano Internacional de Implementação. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001399/139937por.pdf, 2005. [Consult. 9 Mai. 2016]
· Our Common Future – Report of the World Commission on Environment and DevelopmentDisponível em http://conspect.nl/pdf/Our_Common_Future-Brundtland_Report_1987.pdf, 1987. [Consult. 9 Mai. 2016]
· Transforming our World: The 2030 Agenda for Sustainable DevelopmentDisponível em https://docs.google.com/gview?url=http://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/21252030%20Agenda%20for%20Sustainable%20Development%20web.pdf&embedded=true. [Consult. 6 Mai. 2016]
· CUIÇA, Pedro (2015): Passo a Passo – Manual de Caminhada e Trekking. Lisboa: A Esfera dos Livros, pp. 312. ISBN978-989-626-721-6
· HONORÉ, Carl (2006). O Movimento Slow. Cruz Quebrada: Estrela Polar, pp. 264. ISBN 972-8929-30-7
· MONBIOT, George (2014). Feral – Rewilding the Land, Sea and Human LifeLondon: Penguin Books, pp. 324. ISBN 978-0-141-97558-0

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