segunda-feira, 3 de outubro de 2016

O Viandante

«Todo o português é um penitente e um homo viator. Por isso também ele é, de todo sempre, vocacionado para os grandes ermos, onde se perfazem essas penitências. Como as vividas e cantadas por Camilo n’A Bruxa do Monte Córdova, O Santo da Montanha, A Doida do Candal; ou a vivida por ele próprio como O Penitente de S. Miguel de Seide, cantado por Teixeira de Pascoaes, celebrante da saudade.
Vocacionado para a penitência, como eremita ou como peregrino (outra forma de penitência) nas grandes viagens que o levam ao cabo do mundo. Sempre procurando, através de dores e sofrimentos sem conta, a pátria original, ou esse paraíso perdido. Em viagens no mundo exterior ou no mundo interior, sempre através e vencendo um Mar Tenebroso: na alma ou na terra, para, através desse mar de escuridão, como purgatório, atingir a própria santificação.
Por isso também, a essência da saudade vivida nesta «praia purgatória» de reminiscência vicentina, é toda dinâmica nessa força que conduz, impulsiva, simultaneamente de expectação, procura e transcensão, ou sublimação. Esse, o sentido de sua essência. Entre terra e terra, ou mais perfeitamente, entre terra e céu, como a cantou Frei Agostinho da Cruz: «Saudade do céu, não da terra».
Assim também, em toda a saudade, como em todo o existir, sentir, pensar e agir português, estão à obra conjuntamente duas forças que mais conduziram esse ser português; e que tão visíveis são na sua poesia, mística, filosofia, teologia e escatologia: o platonismo e o augustianismo, como saudade de Deus. Ou volver num caminho antes já percorrido; sempre como regresso, depois do exílio, à pátria primeira. Teixeira de Pascoaes o cantou supremamente no Regresso ao Paraíso.»
Dalila Pereira da Costa: Entre Desengano e Esperança; Porto: Lello Editores, 1996, p. 10. ISBN 972-48-1689-3

Pedro Cuiça © Mont'Santo (Lisboa - 2/10/2016)

Panteísmo, panenteísmo, teísmo, deísmo ou nem por isso?!

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