quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Ni ici, ni ailleurs


A 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP-22) está a decorrer, de 7 a 18 de Novembro, na cidade marroquina de Marraquexe. A incógnita centrar-se-á até onde os perto de 200 países participantes estarão dispostos a ir com vista à concretização do primeiro (pretenso) grande acordo mundial contra o aquecimento global. Acordo que entrou em vigor há escassos dias, menos de um ano depois de ter sido aprovado na conferência realizada no ano transacto em Paris; apesar de, até ao momento, dos 197 signatários pouco mais de metade terem ratificado o dito! As Nações Unidas voltaram, entretanto, a alertar para a urgência de agir rapidamente no que concerne à redução das emissões de gases com efeito estufa, de modo a evitar “uma tragédia”. Portanto, mais do mesmo! Na verdade, tendo em conta que nos Estados Unidos foi eleito um Presidente que “não acredita” nas alterações climáticas, será expectável que possa vir aí algo de novo (ou do mesmo?).
Os governos mundiais andam a falar de prevenir as alterações climáticas há mais de duas décadas. Na realidade o organismo intergovernamental incumbido de evitar níveis “perigosos” de aquecimento global não só não conseguiu fazer progressos durante os seus 20 e tal anos de trabalho (e mais de 90 reuniões de negociações oficiais) como supervisionou um processo de retrocesso contínuo (KLEIN, 2016: 23). Os governos desperdiçaram anos preciosos em torno de minudencias irrelevantes e de bur(r)ocracias, num jogo do “empata” que se consubstanciou num resultado catastrófico fruto dessa enorme mistificação e procrastinação . Dados preliminares revelam que, em 2013, as emissões globais de dióxido de carbono (CO2) eram 61% mais elevadas do que em 1990, ano em que as negociações com vista a um tratado sobre o clima terão começado a sério (ibidem). E a “seriedade” prosseguiu com um aumento reiterado das emissões, de 2013 até hoje, numa displicente sequência de encontros intergovernamentais. Se os governos estivessem realmente empenhados na implementação de medidas eco-lógicas teriam de transformar a “economia de casino”, das últimas décadas, numa “eco-nomia verde”, transição que implicaria mudanças profundas na forma como vivemos, designadamente no que concerne ao consumo e à mobilidade. Basta constatar o modo como, por exemplo, os transportes públicos em Portugal continuam inexplicavelmente quase na mesma (ou piores), comparativamente ao importante investimento em infraestruturas rodoviárias (mormente auto-estradas), num notório favorecimento do transporte privado motorizado, para comprovar a falta de empenho político no que concerne à mitigação do aquecimento global! Por outro lado, a generalidade das ONGs ditas “ambientalistas” têm vindo a implementar estratégias num quadro de ambientalismo superficial, com base em teses de “mal menor”, ou mesmo alinhando declaradamente com os interesses das indústrias poluidoras, ao invés de assumirem um ecologismo profundo ancorado num “bem maior”.
Mas, para além dos jogos de bastidores e das invariavelmente importantes declarações “para inglês ver”, quer de políticos, quer de ambientalistas, num aparente imobilismo, não deixa de ser interessante constatar mudanças, a nosso ver, significativas no tocante à temática em causa. Desde logo a “espalhafatosa” cobertura jornalística de que foram alvo iniciativas como Quioto e a Cimeira do Rio (Eco-92) face ao quase esquecimento que se verifica no tocante à agora em curso COP-22 de Marraquexe. E o que dizer do bloqueio noticioso sobre o que está a acontecer, de há alguns meses a esta parte, na reserva de Standing Rock contra o Dakota Access Pipeline, os confrontos policiais e a prisão de mais de 400 manifestantes? Nunca ouviu falar do assunto, nem dos confrontos que ocorreram na floresta de Skouries e na aldeia de Ierissos (Grécia), em Pungesti (Roménia), em Balcombe (West Sussex – Reino Unido), em New South Wales (Austrália), entre outros? Não se espante, pois tal não será certamente por acaso.

«Durante décadas, o movimento ambiental falou a linguagem emprestada da avaliação de riscos, trabalhando diligentemente com parceiros nas empresas e no governo para equilibrar os níveis perigosos de poluição com a necessidade de lucro e crescimento económico. (…) A ação necessária para salvar a humanidade do risco muito real de caos climático foi ponderada friamente face ao risco que essa ação representaria para os PIB, como se o crescimento económico ainda importasse num planeta abalado por desastres em série.
Porém, em Blockadia*, a avaliação de riscos foi abandonada na beira da estrada barricada, substituída por um ressurgimento do princípio da precaução – que diz que, quando a saúde humana e o ambiente estão substancialmente em risco, não é necessária certeza científica absoluta antes de agir. Mais, o ónus de provar que a prática é segura não deve ser imputado àqueles que ela poderá prejudicar.
Blockadia está a inverter a situação, insistindo que cabe à indústria provar que os seus métodos são seguros – na era das fontes de energia obtida por processos extremos, isso é algo que pura e simplesmente não pode ser feito. (…)
Resumindo, as empresas de combustíveis fósseis já não estão a lidar com aqueles grandes grupos verdes [ou partidos políticos] que podem ser silenciados com um donativo generoso ou com um programa de créditos de compensação de carbono para limpar a consciência. As comunidades que enfrentam não pretendem, na sua maioria, negociar um acordo melhor – seja sob a forma de postos de trabalho locais e royalties mais elevados sejam melhores padrões de segurança. Cada vez mais estas comunidades se limitam a dizer rotundamente «Não». Não ao oleoduto. Não à perfuração no Ártico. Não aos comboios de carvão e petróleo. Não às cargas pesadas. Não ao terminal de exportação. Não ao fracking. E não somente: «Não à minha porta.» (NIMBY), mas, como dizem os ativistas franceses anti-fracking: «Ni ici, ni ailleurs.» – nem aqui nem em lado nenhum. Por outras palavras: chega de novas fronteiras do carbono.
Com efeito, o fidedigno insulto NIMBY perdeu completamente a eficácia. Tal como diz Wendell Berry, socorrendo-se de palavras de E. M. Forster, a conservação «desperta o afeto» – e, se todos nós amássemos a nossa casa o suficiente para a defendermos, não haveria crise ecológica, nenhum lugar alguma vez poderia ser declarado zona de sacrifício. Simplesmente não teríamos outra alternativa senão adotar métodos não tóxicos de satisfazer as nossas necessidades.
Esta clareza moral, após décadas de parcerias verdes íntimas, é o verdadeiro choque para as indústrias extrativas.» (KLEIN, 2016: 406-407)

Nos últimos anos, o cerco tem-se vindo a apertar e o silêncio surge cada vez mais conveniente para quem não tem argumentos defensáveis no que concerne à exploração de combustíveis fósseis. O oleoduto Keystone XL provocou, em 2011, uma onda histórica de desobediência civil em Washington, seguida dos que foram, na altura, os maiores protestos na história do movimento climático nos Estados Unidos: mais de 40 mil pessoas diante da Casa Branca em Fevereiro de 2013 (KLEIN, 2016: 367). E essas manifestações não se circunscrevem, de todo, a minorias étnicas ou à problemática da exploração de combustíveis fósseis por processos extremos em geografias remotas. O problema já chegou a muitos países ocidentais, nomeadamente a Portugal, onde existe a intenção de explorar reservas na plataforma continental…
A novidade caracteriza-se, cada vez mais, pela espontaneidade com que a Blockadia surge no seio das comunidades afectadas. ««Vassilou, uma animadora juvenil que integra a luta contra a mina de ouro Eldorado na Grécia, descreve isso como viver num «mundo de pernas para o ar. Corremos o risco de cada vez mais inundações. Corremos o risco de, aqui na Grécia, nunca mais voltarmos a ter primavera ou outono. E eles dizem-nos que corremos o risco de sair do euro. É de loucos?» Por outras palavras, um banco falido é uma crise que podemos resolver; o Ártico destruído, não.» [KLEIN, 2016: 420] O movimento contestatário é global e a comprová-lo temos o apoio inequívoco a Stading Rock surgido das mais diversas proveniências…



Nota*O grupo de acção directa Tar Sands Blockade usou pela primeira vez a palavra “Blockadia”, em Agosto de 2012, enquanto planeava o que se transformou num bloqueio que durou 85 dias na construção do Keystone (no leste do Texas).

Fonte bibliográfica:
KLEIN, Naomi. Tudo Pode Mudar – Capitalismo vs. Clima. Barcarena: Editorial Presença, 2016, pp. 654.


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