segunda-feira, 16 de outubro de 2017

E folhas ao vento

No coração do silêncio 
[Pedro Cuiça ©  Serra dos Candeeiros (15/Out. 2017)]

«Goza o concreto sabendo-o abstrato.»
Agostinho da Silva

Na sequência de uma formação na área das actividades de ar livre, que decorreu no passado fim-de-semana, dei por mim num estado de espírito incomodativamente perturbante: uma sensação de notório desagrado aparentemente indizível, inominável e, portanto, inenarrável. No entanto, tal aparência não passava disso mesmo, tendo em conta que o fenómeno era não só definível como explanável em grande parte.
O andar a pé pode constituir um ponto de partida e/ou um fio condutor de diversificadas vivências profundas. Por exemplo, na linha da designada “caminhada holotrópica”, em torno da ecosofia e da eco-espiritualidade com base em exercícios direccionados ao sentir, demandar e des(en)cobrir a Natureza. Todavia, no passado fim-de-semana estivemos apartados de tais experimentalismos, nem era suposto, expectável ou desejável que tal ocorresse. Os exercícios incidiram num conjunto de abordagens e de técnicas centradas na prática, mais costumaz, da chamada “caminhada pedestre” ou “pedestrianismo”! A fenomenologia emocional de que padeci não se deveu, contudo, a tais abordagens que, aliás, podem (e devem) ser, por sinal, muito interessantes e susceptíveis de originarem importantes frutos. Ademais, não é condição necessária, e menos ainda obrigatória (?), que as praxis em causa busquem as profundezas ou seja o que for enquanto (espartilhante ou monotonamente) único. A desatenção plena será tão desejável nalgumas circunstâncias quanto a atenção plena noutras, tal como a superficialidade nalgumas ocasiões quanto a profundidade noutras tantas. São estas ambivalências do sentir/fazer que permitem abranger o mais amplo e desejável espectro de possibilidades do ser… A simplicidade não implica ser simplório, ignorante e, menos ainda, fanático ou adepto de tiranias! E, na linha de Agostinho da Silva, apetece-me dizer que não sou nem do ortodoxo, nem do heterodoxo, mas sim do paradoxo.
O incómodo que me assaltou terá sido uma espécie de efeito secundário daquilo que se poderá designar por “distopia pós-moderna anti-natural e pretensamente igualitária”, plena de ruídos, enganos ou leviandades dans l'air du temps… Talvez nesse dia estivesse extraordinariamente saudoso da utopia espartana híper-natural que tanto valorizo e aprecio, da nobreza do ser, do virtuosismo da simplicidade, da perfeição e da elaboração cuidada, da vontade de excelência, do dever a cumprir arduamente, monasticamente… E, simultaneamente, de um sentimento de extraordinária leveza, de uma subtil impermanência, da insubstancialidade e da inter-dependência de/entre todos os seres. Talvez nesse dia estivesse assaltado por recorrentes saudades do futuro, na busca de um novo/velho andar, a-final de um andar bem.
As nossas fraquezas podem ser forças e, muitas vezes, o importante não é o que fazemos mas sim a forma como fazemos. E cada vez que nos “confrontamos” com a Natureza não é possível enganar-nos, tal como não podemos enganar o cavalo se formos o cavaleiro! Qualquer tempo e espaço são sagrados porque estão no interior da consciência. Daí a importância da atenção e da intenção… E, neste contexto, meia palavra deveria bastar ou, melhor ainda, o belo e esclarecedor silêncio.
A linguagem verbal ou escrita não permite apreender a essência do real, exceptuando por vezes através da poesia, e o seu mau uso pode não só gerar graves equívocos como ser extremamente perturbador. Afortunadamente podemos partir do ruído da linguagem até ao silêncio: a pedra angular do carácter e simultaneamente o Grande Mistério. E a verdade encontrar-se-á no coração do silêncio.

«There is a language older by far and deeper than words. It is the language of bodies, of body on body, wind on snow, rain on trees, wave on stone. It is the language of dream, gesture, symbol, memory. We have forgotten this language. We do not even remember that it exists.»
Derrick Jensen

Porque amanhã vem aí chuva... E já não era sem tempo! 
[Pedro Cuiça ©  Serra dos Candeeiros (14/Out. 2017)]


Que tempo o tempo tem? E folhas ao vento... 
[Pedro Cuiça ©  Serra dos Candeeiros (15/Out. 2017)]


O tempo geo... lógico 
[Pedro Cuiça ©  Serra dos Candeeiros (15/Out. 2017)]

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