quinta-feira, 3 de julho de 2014

Eco-vigilância

A designada “fase Charlie” de combate a incêndios florestais começou anteontem (dia 1 de Julho) e estende-se até 30 de Setembro. A época mais crítica no tocante a essa tipologia de incêndios levou, como já vem sendo hábito desde há anos, à activação de diversos dispositivos de combate traduzidos sob a forma de sonantes números: recursos humanos, veículos terrestres, meios aéreos, postos de vigia e… milhões de euros! Será igualmente quase certo o repetitivo discurso da necessidade de promover a prevenção de incêndios, designadamente através da “limpeza das matas”, sobretudo quando os tão ou mais sonantes valores de área queimada forem aumentando, de forma mais ou menos alarmante, consoante as condições climatéricas e a motivação dos incendiários! No ano passado, o fogo consumiu mais de 145 mil hectares de “floresta” – a maior área ardida dos últimos oito anos!
A importância de uma cidadania ambiental responsável e pró-activa, que envolva “todos nós”, devia tornar-se, por isso, tão óbvia quanto premente, com particular enfoque na prevenção e alerta de incêndios florestais (não esquecendo, a montante, o plantio de árvores). É neste contexto que os cidadãos em geral e os pedestrianistas em particular poderão (e deverão) desempenhar um significativo papel. Estes últimos ao palmilharem a pé, sobretudo durante os fins-de-semana (mas não só), as mais diversas geografias nacionais poderão constituir um meio privilegiado de vigilância e alerta; ademais assente no voluntariado e, por isso, gratuito… A importância de um rápido alerta de incêndios florestais (através dos números de telefone 117 ou 112) é primordial para um combate igualmente rápido e eficaz. Foi, aliás, nesse contexto que a Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal (FCMP) e a Fédération Française de la Randonnée Pedestre (FFRP) lançaram, em 2005, a campanha de sensibilização, vigilância e adopção de comportamentos adequados em caso de incêndios: Eco-Vigilância/Éco-Vigilance.
Os incêndios originados por causas naturais constituíram uma das principais forças promotoras da diversidade vegetal e do rejuvenescimento de bosques… Alguns biótopos como a taiga e o chaparral ou matagal mediterrânico dependem dos fogos e existem espécies perfeitamente adaptadas a esses eventos como Sequoiadendron giganteum ou Pinus palustris. No entanto, em Portugal e em Espanha (tal como noutros países), o elevado número de incêndios resultantes de causas não naturais e a destruição recorrente de grandes áreas florestais ultrapassam enormemente a capacidade de regeneração desses ecossistemas. A “tradição” dos incêndios florestais que, ano após ano, assola a Ibéria e atinge dimensões de calamidade, a prosseguir da forma como nos tem “habituado” (?) levará à desertificação de grande parte da península antes do final do século! As paisagens não são estáticas, evoluem, transformam-se e…


«Puszcza, uma velha palavra polaca, significa «floresta primitiva». Estendendo-se ao longo da fronteira entre a Polónia e a Bielorússia, o meio milhão de hectares da Bielowieza Puszcza contêm o último fragmento que resta de floresta selvagem e primitiva. Pense na floresta escura e brumosa que lhe vinha ao espírito quando, em criança, lhe liam as histórias de fadas dos irmãos Grimm. Aqui, freixos e tílias crescem a quase trinta metros de altura, com as suas enormes copas coroando um mundo intrincado de abetos europeus, fetos, vegetação pantanosa e cogumelos das mais variadas formas. Os carvalhos, envoltos pelo musgo de meio milénio, crescem tanto neste lugar que os grandes pica-paus guardam sementes de abeto nas fendas da casca. O ar espesso e frio, está envolto em silêncio, brevemente interrompido pelo grasnar de um quebra-nozes, pelo piar rouco de um mocho ou pelo uivo de um lobo, para logo regressar à quietude.
fragrância que se escapa das folhas e ervas apodrecidas acumuladas durante milénios evoca as próprias origens da fertilidade. Na Bialowieza, a profusão de vida deve muito a tudo o que está morto. Quase um quarto da massa orgânica acima do solo encontra-se em vários estádios de apodrecimento – mais de 50 metros cúbicos de troncos e ramos decompostos por hectare, alimentando milhares de espécies de cogumelos, líquenes, insectos, larvas e micróbios que não existem nas bem ordenadas e controladas áreas arborizadas que noutros sítios passam por florestas.
No seu conjunto, estas espécies constituem uma despensa natural que alimenta doninhas, martas, texugos, lontras, raposas, linces, lobos, veados, alces e águias. Encontram-se aqui mais formas de vida do que em qualquer outro lugar do continente – apesar de não haver montanhas circundantes ou vales abrigados que formem nichos para espécies endémicas. A Bialowieza Puszcza é, simplesmente, uma relíquia do que antes se estendia para leste até à Sibéria, e para poente até à Irlanda.
(…) É impressionante pensar que, um dia toda a Europa se pareceu com esta Puszcza. Entrar nela é perceber que a maioria de nós cresceu diante de uma pálida ideia das intenções da natureza.» (WEISMAN, Alan. O Mundo Sem Nós; Cruz Quebrada: Estrela Polar, 2008, 2ª ed., pp. 21-24)


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